Religião, Igreja X Estado, Política
Enquanto preparava este artigo a pedido do amigo Vital Souza, jornalista no Rio de
Janeiro me senti desafiado a discorrer sobre os termos acima e comentar acerca das
relações existentes entre eles. A bem da verdade, estas expressões acima já foram
objeto de reflexão do Dr. Paul Charles Freston que em 2006 escreveu sobre os
evangélicos e a participação política, e defendeu a tese que Religião e política se
misturam; Igreja e estado não.
Parto de uma experiência pessoal na qual vivencio ao longo desta trajetória de
praticamente 9 anos como vereador no município de Dourados, MS. Para se ter uma
ideia quando fui eleito para o primeiro mandato de vereador em 2012, até aquele
momento o município com 77 anos ainda não havia eleito um vereador, membro de
uma igreja batista. Isto se devia não somente ao fato de sempre haver vários
candidatos oriundos das igrejas batistas em uma mesma eleição municipal, como
também o fato de haver um distanciamento da igreja com a política, também por
acreditarem que a política não é de Deus e que o cristão não deve se envolver com a
política. A minha experiência me mostra o quanto que perdemos em não termos tido
antes uma participação mais efetiva de membros das igrejas batistas no cenário
político do nosso município.
Sobre o tema proposto no título acima, meu pensamento caminha na seguinte
vertente. O que vem primeiro? A religião ou a Igreja? Se compreendermos que a
palavra religião seja oriundo do termo religare, que no latim trata da ligação do
homem com a divindade ou ser supremo, perdida no Éden e que a palavra igreja seja
oriunda da palavra grega eclesia, cujo significado seja o de uma comunidade
convocada ou chamada para fora, podemos admitir que a religião preceda à igreja e
que a igreja seja uma das formas de se praticar uma religião, bem como
compreendermos que nem todas as religiões se afeiçoem ou utilizem o termo igreja
para o ajuntamento de seus fiéis ou adeptos. Por outro lado, se pensarmos em Política
e Estado, qual venha primeiro e qual delas ocupa um papel de destaque em relação à
outra, poderíamos dizer que o Estado é Uno, está representado pela Nação ou
Território e isto vem desde as civilizações antigas como os egípcios, assírios,
babilônicos, gregos, romanos, os quais defendiam interesses do império ou estado e
que a política é o que se produz ou se realiza pelo cidadãos que pertencem a um
Estado e que pode ser praticada de inúmeras formas, daí pressupor que o Estado
precede ou se posiciona em primazia à pratica ou conduta política.
O cristianismo teve seu surgimento num período de dominação do império romano
sobre Israel. Convém ressaltar que anteriormente aos romanos o território de Israel
foi marcado fortemente pela presença dos seleucidas que era uma ramificação do
império grego. Pode se afirmar que tanto a influência helênica dos gregos como a dos
romanos permaneceu desde o início com grandes implicações no pensamento e nas
práticas da igreja cristã.
O território geográfico em que Jesus viveu era romano politicamente, grego
culturalmente e judaico religiosamente. A Igreja nasce sob estas fortes influências,
mas com a necessidade de se estabelecer e contrapor a todos eles, pois o evangelho
do reino de Deus não poderia ficar restrito aos limites impostos nem por judeus,
romanos ou pelos gregos.
A igreja deveria quebrar paradigmas pois embora estivesse neste mundo não seria
governada sob o prisma dos governos estabelecidos até então. A igreja nascera para
influenciar e não poderia sofrer influências no propósito para o qual estava sendo
estabelecida! A missão da igreja deveria ser a de dar continuidade a missão do Cristo.
Esta missão incluía o caráter kenótico, do esvaziamento de si mesma para submeter-
se ao domínio do poder do Espírito Santo, também o caráter diacônico, do serviço ao
próximo, assim como o próprio Cristo, servir e não ser servida, ser sal da terra e luz
do mundo, cuidar dos órfãos, das viúvas, dos pequeninos, dos enfermos, presos,
imigrantes ou estrangeiros e cumprir com um caráter kerigmático, de comunicar a
verdade, o amor de Deus, as boas novas de salvação a todas as nações.
Ao ler as narrativas dos evangelhos, os atos do Espírito Santo na vida da Igreja, bem
como fazer uma leitura das cartas paulinas, epístolas gerais e o apocalipse, não há
como fechar os olhos e deixar de enxergar uma relação constante entre a igreja e a
política. Esta relação nem sempre foi amistosa, pelo contrário, foi marcada por muita
perseguição e sofrimento dos cristãos embaixo de um Estado cruel e opressor.
Jesus nasce no ano 4 ou 5 a.C onde César Augusto era o imperador romano. O
evangelista Lucas contextualiza o nascimento de Jesus a um período na história,
marcado justamente pela ação política de Roma sobre Israel. Paulo ao relatar sobre o
nascimento de Jesus, em Gálatas 4:4 diz que vindo a plenitude dos tempos, ou seja no
momento propício e adequado para a sua manifestação e cumprimento das profecias
sobre o sua vinda. Isso inclui o momento político e a importância da Pax Romana
para que através da segurança prometida aos cidadãos, a igreja cumprisse com sua
missão.
A influência dos gregos sobre os judeus não foi simplesmente da língua comum ou
“koine” utilizada nos dias de Jesus, mas a ideia da igreja na sua etimologia dos
chamados para fora. Não se pode esconder a influência da polis, do conceito de
cidade apresentado pelos gregos e a liberdade do culto, do pensamento, da expressão,
as discussões nas assembleias e as decisões democráticas que também contribuíram
para o estilo do ministério público terreno de Jesus.
A política estava presente nas relações entre o governo de Herodes, a função do
tribuno representante de César e a liderança religiosa de fariseus e saduceus com forte
domínio dos sacerdotes e do sumo-sacerdote!
A cidadania romana utilizada pelo apóstolo Paulo, a diáspora da igreja e o
aprisionamento de João na ilha de Patmos são apenas alguns elementos que podemos
mencionar para identificar a relação entre a igreja, o Estado e a política no Novo
Testamento.
Jesus não prometeu uma mudança política com o advento do seu reino, no entanto ele
preparou seus apóstolos e discípulos para viverem os princípios e valores deste reino
em todas as esferas da sociedade. Inclusive na vida pública, na política, nos
legislativos, executivos, judiciários, ministério públicos, etc.
Na minha avaliação é um grande erro ou contrassenso afirmar que política não seja
de Deus e que seja do diabo. Um erro absurdo e crasso. Se somos o sal da terra e a
luz deste mundo, somos agentes de transformação em todos os espaços sociais. Como
compreender o pensamento de alguém que acredite que o cristão, sim o membro da
igreja de Cristo, deva cumprir sua função social e ser um excelente professor,
médico, policial, bombeiro, militar, advogado, engenheiro, empresário, trabalhador e
também não ser um excelente vereador, prefeito, deputado, governador, senador e
presidente da república? Como entender que o cristão deva ser um excelente membro
do poder judiciário como juiz, desembargador ou procurador, promotor e não poder
ser da mesma forma uma pessoa de destaque nos poderes executivo e legislativo?
A igreja não apenas deve militar na política como deve cumprir com sua função
social através de seus membros como excelentes conselheiros tutelares, atuar nas
política e conselhos dos direitos da criança, juventude, idosos, sobre drogas, saúde,
educação, meio ambiente, assistência social, desenvolvimento urbano, enfim, estar
envolvida com todas as políticas públicas em prol do bem estar social, fortalecimento
dos setores da indústria, comércio, turismo, geração de emprego e renda,
empreendedorismo, etc.
Cabe a igreja não se conformar com este mundo, com sua situação totalmente
distanciada dos princípios e valores bíblico-cristãos, mas lutar por uma restauração
social, renovação de mentes, transformação pelo entendimento e conhecimento. Cabe
a igreja através de seus membros estar engajada na transformação de tudo o que é
mau e perverso como a corrupção do gênero humano, onde se percebe a banalização
da vida, a aceitação do aborto antes de 12 semanas, a sexualização precoce das
crianças e adolescentes, a permissividade do uso de drogas lícitas como álcool e
narguilé por exemplo.
Se a igreja, não enquanto denominação ou instituição jurídica estabelecida com um
CNPJ, mas sim a igreja com CPFs, através de cada membro que é um cidadão deste
mundo se posicionar em favor das pautas que dominam as agendas políticas tais
como a saúde, educação, economia ou fazenda, serviços urbanos, ecologia e meio
ambiente, desenvolvimento urbano, lazer e turismo, teremos uma vida muito melhor
pelo prisma de que cada cristão será co-responsável pelo bem estar social local,
regional, nacional e mundial.
Se alguém questionar se um cristão possa ser um político, ou se a igreja pode se
envolver com a política, acredito que a resposta seja sim, ou seja, não apenas pode,
mas deve exercer seu papel social e espiritual, como cidadãos do reino.
Acredito sinceramente que somos vocacionados ou seja, chamados para o
engajamento espiritual, social e político. A igreja precisa ser a referência de um
mundo em crise e deve apresentar respostas para as principais mazelas da sociedade,
que são basicamente de ordem social, moral e espiritual.
As políticas públicas devem fazer parte dos nossos debates. Não podemos ficar no
ostracismo ou alienação. Fomos alcançados com um propósito e missão e não dá para
permanecermos alienados ou em cima do muro.
Enquanto finalizo este artigo recebo uma mensagem da OPBB que representa 14.177
pastores, contendo uma Nota de Repúdio a ação violadora de direitos e garantias
fundamentais, constitucionalmente asseguradas, promovida por membro do
Ministério Público da 4ª Promotoria de Justiça de Ipiaú / BA, contra o pastor batista
Carlos Cesar Januário por ter expressado seu pensamento religioso em conformidade
com a Bíblia, e orientou sua congregação a não adquirir produtos de uma empresa
que fazia campanhas com forte apelo a homoafetividade, sem que suas palavras e
atos configurassem discurso de ódio, descumprindo preceito fundamental da
Constituição Federal, que assegura em seu Art. 5ª, inciso VI, " ser inviolável a
liberdade de consciência e de crença, assegurando o livre exercício dos cultos
religiosos e garantindo, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e as suas
liturgias". Constantemente somos tomados de surpresa com ações que atacam e
afrontam os direitos da igreja e além de demonstramos a solidariedade as pessoas que
estão sendo atacadas por promotores, juízes, ministros do STF, devemos ter políticos
que zelem e lutem nas Câmaras de Vereadores, Assembleias Legislativas, Câmara e
Senado Federal pelo fiel cumprimento da Constituição Federal Brasileira.